quinta-feira, 20 de maio de 2010

Internação


Ele entrara em surto
e o pai o levava de
carro para
a clínica
ali no Humaitá numa
tarde atravessada
de brisas e
falou
       (depois de meses
trancado no
fundo escuro de
sua alma)
      pai,
o vento no rosto
é sonho, sabia?

[Ferreira Gullar]

Adoro este cara!


terça-feira, 18 de maio de 2010

Corvos

       Estou observando-a.
       Ela parece perspicaz e astuta, porém parece triste. Não sei o que se passa com ela. Não consigo entendê-la... Eu que sempre fui tão feliz, entender o seu olhar é complexo de mais para mim. Ela tem um olhar vazio. Eu sinceramente não entendo o porquê dela estar assim, mas ela me intriga! Queria me materializar e perguntar sobre sua vida, mas sou uma criatura limitada de mais para isso.
       O simples fato de observá-la me intriga. O fato da sua existência, o fato de seu olhar vazio! Ah! como me aborrece! Queria abraçá-la e poder dizer que ficará tudo bem, mesmo sem saber o motivo dela estar triste, se é que ela está. Queria ter poder para arrancar-lhe um sorriso dos lábios, segurar sua mão... Ficar ao seu lado, mas não posso. Pelo simples fato de que ela não pode me ver. E devo confessar, que pelo medo que eu tenho de que ela me veja.
       O café dela já acabou, mas ela continua sentada escrevendo. Olhando para o lado, vez ou outra. A questão é: por que ela não levanta e não vai embora? Ela sorriu... Viu um idoso correndo. Não sei o que há de engraçado nisso. Sorriu novamente. Viu outro idoso, mas este estava com cachecol. Ah, por que ela riu? Não sei devo... Tudo bem, eu conto. Toda vez que ela vê um cachecol, tem vontade de estrangular a pessoa que o usa. Não para matá-la, só para apertar-lhe o pescoço mesmo. 
       Sei que ela sabe que eu a observo. É astuta de mais para não perceber. Ai, caramba! ela me viu...
       - Mas como eu poderia lhe ver se você não pode se materializar?
       - E como você sabe que eu disse isso?
       - Sou astuta e perspicaz, lembra?
       Estou confusa. Ou confuso. Nunca ninguém havia me percebido!
       - É... Mas eu percebi!
       Ai! Era eu quem a observava. Ou será que ela estava me observando todo este tempo?
       - Acho que as duas coisas. eu percebi que você estava me observando. Mas não quis interferir neste momento tão magistroso!
       - Engraçadinha você!
       - Ah, obrigada! Ou obrigado... Mas enfim! eu sei que sou.
       - Ah! E ainda por cima uma criatura convencida! Me observa por horas e vem de gracinhas para cima de mim?
       - Eu poderia pedir desculpas, mas ninguém mandou você ser estranha a ponto de me perceber.
       - Então é assim? em uma hora quer me consolar e agora me chama de estranha?
       - Bem... A propósito, por que você está assim?
       - Assim como?
       - Assim...
       - Não quero falar sobre o assunto...
       Eles, ou elas, permaneceram assim por um longo tempo. Discutiram suas observações mútuas.
       - E você quem é? - Disse a criatura que observava a moça.
       - Eu? - Disse o terceiro 'narrador'.
       - Sim você! Você não, vocês!
       - Nós? - Disseram o terceiro e o quarto narrador.
       - Espere! Eu sou a criatura que observa a moça. Não chamei ninguém aqui. Sumam todos vocês! Xô!, Xô! Seus corvos inúteis! Xô! Seus animais putrafatos, de almas imundas! Parem de gralhar aqui, se é que corvos gralham! Xô!, Xô! Vão embora antes que eu queime suas asas!
       - Eles já foram?
       - Já. Poderia fingir que não me vê, para que eu pudesse voltar a ser a criatura que lhe observa, e você voltar a ser a pessoa observada?
       - Mas por quê? Não quer mais falar comigo?
       - Não é isso... É que eu não quero que aqueles corvos voltem. Eles são tão... Tão... Tão!
       - Ah sim, entendo. Mas não seria melhor que você os espantasse em vez de ficar com medo e apenas me observando?
       - Acha que consigo?
       Eles não paravam de conversar, parecia que se gostavam. Até que...
       - Xô! Saia daqui!
       - Viu como consegue?
       A criatura não conseguia ver pois seus olhos...
      - Sumam! Seus corvos inúteis!
      - Está vendo?
      Eu, a caneta, tenho que parar por aqui. Embora tentada a continuar e dar um fim para isso, devo parar. Preciso que me guardem. Estou ficando fraca... Oh, não! Estou vendo um...