domingo, 5 de dezembro de 2010

E aos poucos ela foi morrendo...

   
      E aos poucos ela foi morrendo...
     Um pouco a cada dia, para não ficar muito visível. Foi deixando isso e aquilo de lado; foi parando com as risadas, com os sorrisos, com o cheiro da tarde, com as manias. Foi parando com tudo. Bem devagar.
     E aos poucos ela foi morrendo...
    Foi sumindo um pouco a cada dia, foi se importando um pouco menos a cada dia, foi se perdendo um pouco a cada dia, até, quase, sumir por completo. Agora isso era como um vício: queria ir com isso até o fim, teria que ir com isso até o fim. Teria que sumir de vez. Mas bem devagar, para que ninguém notasse.
     E aos poucos ela foi morrendo...
    Os corvos foram levando o que ainda restava dela, de forma bem discreta e lenta. Foram pegando pedaços que não fizessem muita falta e a cada pedaço retirado, um sorriso vazio.
     E aos poucos ela foi morrendo...
     Suas vontades foram diminuindo, sua cabeça foi ficando mais pesada e seu corpo começava a entrar em sintonia com a sua alma, ou seja, começava a ficar morto.
     E aos poucos ela foi morrendo...




quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Perdi-me de mim




É como se, de repente, eu virasse todos os personagens sobre os quais já escrevi.
 Estou sentindo uma falta horrenda de mim mesma.
É como se eu tivesse me perdido de mim.




Music: http://www.youtube.com/watch?v=Yi0CqIeLjkQ&feature=related


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Awake


     Acordou.
     Seu relógio marcava 05:31 e ela procurava seu celular para desligá-lo, pois a sua 'música-despertador' (Never Young - Gogol Bordelo) ainda tocava. Levantou, acendeu a luz, pegou sua roupa e foi tomar banho. Voltou ao quarto, vestiu-se, arrumou o cabelo, comeu alguma coisa, lavou os óculos e saiu. Ao abrir o portão, notou que havia algo errado: as ruas haviam sumido, as casas haviam sumido.
     Assustada, voltou para dentro de casa. Seus pais não estavam mais lá, haviam sumido também. Não sabendo o que fazer, abriu o portão, novamente, e saiu em meio ao nada. Nada de casas, ruas, árvores, cachorros, carros. Apenas sua casa e uma imensidão branca.
     Aquela imensidão estava começando a sufocá-la, como se estivesse dentro de uma caixa apertada, porém, estava num lugar imenso. Imenso e branco.
     - Socorro!, gritava. Mas não adiantava, não havia ninguém para ouví-la.
     O desespero começou a dominá-la; seus gritos não eram ouvidos e sua voz estava ficando cada vez mais fraca. Enfraquecendo... Enfraquecendo... Até sumir por completo. 
     Seu lábio superior começou a se unir com o inferior. Boca já não tinha, a que tinha fora coberta por pele. Tentou abrir a sua boca com as mãos e num estado de desespero, começou a correr em meio àquela imensidão branca; correu tanto, tanto, que sua casa ficou para trás. Parou e tentou rasgar a pele que cobria aquilo que um dia fora boca, com as unhas, mas não obteve resultados. Sua agonia era insuportável agora. 
     Cansada, tentou sentar. Mas seus joelhos não dobravam, estavam rígidos. Tentou cair, para ficar deitada, mas não conseguia cair. Tentou chorar de desespero, mas suas lágrimas não saiam. A imensidão era totalmente branca, se andasse seria como se estivesse no mesmo lugar. Suas pernas doiam de tanto de ficar em pé, doiam mais que o normal. Sua respiração estava ficando cada vez mais rara, mas não conseguia impedir este fato e nem ao menos podia abrir a boca para tentar puxar mais ar, pois ela já não tinha boca.
     Sua respiração parou. Ela tentou puxar o ar pelas narinas, mas não havia como respirar. O vento soprava em seu rosto, mas respiração não tinha mais; quanto mais tentava puxar o ar, mais seu pulmões doiam pela falta dele. 
     Quase uma hora se passou, e ela não morria. Apenas 'desfrutava' da agonia interminável a que estava sujeita: sozinha em uma imensidão branca, porém pequena como uma caixa; com pele no lugar da boca, sem poder sentar ou deitar e sem ar. Morrer ela não morreria, mas ficaria agonizando eternamente.
     E eu apenas assistindo lá do alto...



quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Feche a porta e apague a luz


    Aquilo começava a se tornar uma idéia sedutora.
    Agora ela tinha os olhos fixos naquele objeto à sua frente e pensava: "Não deve ser tão ruim...".
     Alguém chegou em sua casa, entrou e abriu a porta do quarto onde ela estava. Ela olhou para trás e se deparou com um desconhecido encostado junto à porta.
     - A TV está ligada; dissera ele.
     Ela virou seu olhar para trás, com seu olhar vazio, e disse que tanto fazia.
     - E a luz está acesa; completou o completo desconhecido.
     Ainda olhando para ele, ela deu um sorriso, também vazio, e voltou a observar o objeto.
     A idéia era cada vez mais tentadora e não contente em apenas o observar o objeto, pegou-o em suas mãos. Aquilo estava gelado e agora a idéia era quase irresistível. O estranho, ainda parado junto à porta, perguntou:
     - Vai mesmo fazer isso?
     - Não sei, você acha que eu deveria?
     - Você já está morta mesmo.
     - Como você percebeu?
     - Dá para ver em seus olhos... Qualquer um perceberia.
     - Eu cansei de morrer todos os dias, por isso a idéia soa tão tentadora.
     - Eu sei, venho aqui todos os dias.
     - Vem?
     - Venho aqui todos os dias nos quais você morre, para desligar a tv. Você sempre esquece ligada... A propósito, ela está ligada agora. Vou lá desligá-la.
     Nisso, ele saiu e fechou a porta, branca, do quarto cinza. Ainda segurando o objeto em suas mãos, ela resolveu render-se à idéia. Colocou aquele cano frio daquela arma fria, dentro de sua boca, sentiu aquele gosto esquisito. Pensou  no que pensava basicamente todos os dias, pensou em tudo que podia e apertou o gatilho. O barulho ecoou por toda a extensão de sua casa. A porta, antes branca, agora estava vermelha.
     O estranho, antes que pudesse desligar a tv, ouviu o barulho e foi vagarosamente até o quarto. Com uma rosa branca nas mãos. Ao chegar, abriu a porta e olhou para o chão. Viu alguém, uma poça vermelha e uma arma. Jogou a rosa no poça e aquela, antes branca, tornou-se vermelha. Ele pegou a arma e colocou em cima de uma mesinha redonda feita de madeira. Deixou o quarto, deixando a porta aberta, desligou a tv e apagou a luz. Saiu pela mesma porta que entrou.
     Ao chegar do lado de fora, sentiu o vento gelado no rosto e saiu andando rumo ao nada. Com o som do tiro ecoando em sua mente. Ele parou de repente, olhou para cima e disse: "Nunca mais ela precisará morrer novamente.". Após isso seguiu seu caminho.
     Como uma alma vazia.






sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Árvores mortas



     A estrada estava coberta por folhas secas. Ao redor, árvores mortas. Acima, um céu escuro, quase violeta. O vento estava parado e ela apenas caminhava pela pequena estrada; talvez estivesse procurando algo, ou simplesmente quisesse aquietar sua agitada alma.
     Depois de muito caminhar, ela se sentou à beira de um lago para observar o reflexo da lua. Corvos pousavam ao seu lado, diziam coisas sem nexo... Mas seus pensamentos não estavam ali. Após algum tempo, como num despertar de um sonho, ela se levantou e continuou a caminhar por entre as árvores mortas.
     Ela notara que algo se mexia por de trás das árvores mortas, mas vira apenas uma sombra. Um corvo, que estava observando-a há um certo tempo, pousou em seu ombro e tentou alertá-la. Disse para tomar cuidado com aquilo que movia-se na escuridão.
     - Por que eu deveria tomar cuidado com a criatura que está na escuridão, por entre as árvores mortas?
     Em tom sério, o corvo respondeu:
     - Porque a criatura quer lhe matar.
     - Mas eu já estou morta. Meu corpo é imortal, mas veja meus olhos.
     - Estou olhando. Eles estão esquisitos, parecem com os mesmos olhos de alguns anos atrás.
     - Alguns anos atrás? Há quanto tempo você me observa?
     - Desde sempre. Você vinha sempre nesta floresta de árvores mortas, mas agora retornou. Retornou com os mesmos olhos de sempre.
     Algo fez barulho por entre os arbustos, secos, e os dois olharam para o lado. Notaram que uma sombra havia surgido, e ela portava um arco e algumas flechas. As flechas possuiam pontas de fogo, que brilhavam muito através da extrema escuridão.
     - Cuidado!, dissera o corvo.
     - Cuidado com o que? Com as fechas? Eu disse que estou morta.
     Nisso, a sombra atirou uma fecha no peito dela. Ela caíra no chão, com um sorriso esquisito nos lábios e olhos fixos na sombra.
     A sombra sumira.
     Com um ar muito triste, o corvo disse:
     - Eu falei que voc~e iria morrer!
     - Eu já estou morta. Qual a diferença de morrer mais uma vez?
     - Eu não gosto de ver você morrer! Eu nunca sei se esta será a morte definitiva!
     - Não se preocupe. Morrer estando morta não é tão ruim, apenas dói um pouco devido à flecha em meu peito.
     Após dizer isso, seus olhos começaram a se fechar e sua respiração começou a ficar cada vez mais rara.
     - Não sei o que dizer! Toda vez que você caminha por esta floresta de árvores mortas, você morre.
     - Não se preocupe, corvo. Saiba apenas que...
     Neste momento seus olhos se fecharam.
     - Saiba o que?!!!, dissera o corvo.   
     O corpo dela foi sumindo aos poucos. O corvo nada pôde fazer, a não ser olhar. Olhar com o mesmo olhar dela. Ele não conseguia arrancar de sua mente a seguinte indagação: "Como ela pôde morrer já estando morta?". Mas ao terminar este pensamento, ele saiu voando.  
     Saiu voando para pousar na árvore onde sempre esteve.


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ciranda no abismo

  
     E como uma criança feliz ela caminhava à beira do precipício. Lá em baixo um mar um tanto agitado batia nas pedras. As ondas iam e vinham, como que dançando por entre elas Não era dia, nem era noite. Era tarde. Uma tarde dourada. Se ela apurasse o nariz, poderia sentir um certo cheiro da tarde. As gaivotas voavam perto dela, parecia que se entendiam.
     Ela, com os braços abertos, sem sapatos e com seu leve vestido negro, contornava a beira daquele abismo. Não se importava se poderia morrer com uma possível queda. "Sou imortal", pensara. "Além disso, tenho minhas asas negras, que posso usar quando eu quiser.".
     Ali, à beira do abismo, ela rodopiava feliz, apesar da tarde dourada. me atrevi ao lhar no fundo de seus olhos, notei que eles não acompanhavam a felicidade de seu corpo. Sua alma não acompanhava... Achei estranho que, sozinha, ela dançasse, pois além de não haver música, seus olhos não pediam dança.
     Por um instante ela parou, já um tanto cansada, colocando as mãos no rosto para afastar seus cabelos, que lhe encobriam os olhos naquele instante, depois de tanto dançar. Começou a andar devagar, para sentir cada pedrinha, por menor que fosse, em seus pés. Parou para sentir o vento no rosto. Parou para observar aquela triste tarde dourada. Parou para observar as ondas lá em baixo...
     Agora seus olhos faziam certo sentido com seu corpo. Este parado. Aqueles, hipnotizados pelas ondas batendo nas rochas. Seus dedos tocavam novamente seus cabelos para tirá-los do rosto, pois o vento era incessante. Por alguns instantes o hipnotismo do vai e vem das ondas foi quebrado e ela começou a contemplar o horizonte. Começou a contemplar a tarde dourada.
     Um filme começou a passar por sua cabeça. Se é longo ou curto, depende. O tempo corre de muitas maneiras diferentes. Ao contemplar aquele dourado e o filme em sua mente, começoua a tirar os brincos. Ao terminar isso, abriu os braços, com a ilusão de que possuia negras asas.
     Começou a contemplar novamente o vai e vem das ondas. Ela sorriu. Um sorriso triste, mas ainda assim um sorriso. Sorriu ao contemplar o filme em sua mente.
     Apenas sorriu.
     Aproximou-se um pouco mais da beira do precipício e olhou para cima para observar o céu. Olhou para o horizonte. Olhou para baixo, para as ondas, e permaneceu assim. Os relógios terrestres não são capazes de quantificar o tempo dela. Simplesmente olhou por tempo suficiente.
     Com seus pés descalços, um sorriso um tanto perturbado nos lábios, suas ilusórias asas e seus braços abertos, ela se jogou. "Sou imortal", pensara ela antes de se jogar. Estava enganada. No fundo ela sabia que não era imortal, mas tanto faz agora. 
     Ela se espatifara junto às pedras; um certo tom de vermelho misturava-se com a água, com as ondas. As asas imaginárias se foram junto com ela. Agora seus olhos faziam sentido com o seu corpo. Agora os dois estavam no mesmo ritmo.
     Em ritmo nenhum.



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Yellow flowers



       Havia uma rua, quase deserta, com árvores (repletas de flores amarelas) por toda a sua extensão. Era noite, mas havia algo de diferente nela, um brilho especial, um cheiro azul.
       Um pouco mais à frente pude notar duas "quase-pessoas" flutuando, batendo suas asas e, assim, seguindo pela extensão da rua. Acho que eram humanos.
       Notei que ela olhava fixamente para as flores amarelas, como que hipnotizada. Ele, percebendo isso, colheu algumas e lhe deu, dizendo: "Pegue-as. São suas. Percebi que você estava encantada com elas.". Ela, sem pensar muito, respondeu: "Obrigada!, mas eu não estava encantada com as flores, eu estava encantada com seus olhos.".
       Porém de repente, não mais que de repente, ele observou que as flores e as mãos dela estavam se unindo, transformando-se em uma única coisa. Seus dedos começaram a ficar marrons e suas unhas verdes. Sem dúvida ela estava virando uma árvore. Seus pés eram, agora, raizes e seus longos cabelos, galhos. Na extensão destes surgiam flores amarelas.
       Ele começou a chorar, assustado com tal acontecimento; sentiu-se de mãos atadas. Não sabia o que fazer, pois também estava encantado pelos olhos dela. Tentou sacudí-la, gritar para a lua. Mas esta não estava se importando muito com isso. Tentou usar magia.
       Nada adiantou.
       Ela havia virado uma árvore.
       Uma árvore com flores amarelas na extensão de seus galhos.
       Ele colheu uma flor e, por instantes, poderia jurar que havia visto os olhos dela na flor. Talvez fosse apenas impressão. Cheirou uma flor e pode constar que elas possuiam o mesmo perfume dela.
       Ele chorou.
       O tempo passou, mas, mesmo assim, ele visitava aquela árvore todos os dias. Ia voando direto para lá, para regá-la. Para não deixá-la morrer.
       Passaram-se os anos e sua hora chegou. Ele se foi. terminou de regar a árvore e se foi. Neste mesmo instante a árvore também se foi.
       Um andarilho que por ali passava, poderia jurar que viu uma árvore e uma "quase-pessoa" transformarem-se em algo com asas.
       Ninguém nunca acreditou nele.
      Mas ele não estava se importando muito com isso.




"O destino tem um jeito cruel de ir enredando você. Tem horas que um homem precisa lutar e tem horas que ele precisa aceitar a derrota para o destino. O navio passou. Somente um tolo persiste."

quarta-feira, 11 de agosto de 2010


 Era noite. Não era fria, mas também não era quente. Uma brisa um tanto gélida soprava em seus rostos. Abaixo, uma rua comprida e deserta, com flores em ambos os lados. Flores vermelhas. Acima, um céu estrelado e uma lua grande e dourada. Era uma boa noite. Havia um cheiro lilás nela.
Sobre a rua e sob o céu, estavam eles. Andavam despreocupados, andavam pelo simples  prazer de andar lado a lado. Pareciam felizes. Muito felizes, aliás. Um casal de borboletas aparecera, e uma delas trazia uma rosa em suas patinhas. Eles também voavam despreocupados. Mas isso não importa.
Eles andavam lado a lado, felizes e conversando sobre como seria morrer.. "Deve ser como fechar os olhos por um longo período”, dissera o senhor borboleta. Mas eles não ouviram o que a borboleta falou e continuaram seguindo. Segue, assim, então, o diálogo das borboletas:
- Acho que morrer deve ser como fechar os olhos por um longo tempo.
- Tenho curiosidade para descobrir. Um dos meus maiores desejos é descobrir como é...
- E por que você não descobre?
- Porque eu tenho medo.
- E é o seu maior desejo? É isso o que você mais quer?
- Sim. O meu maior desejo é descobrir como é..
- Certo.
Nisso o senhor borboleta arrancou suas próprias asas e cortou um pedaço do final de seu próprio corpo.
- Pegue. Esta rosa vermelha é sua.
- Obrigada pela rosa, mas por que você arrancou suas asas e se cortou? Não vê que irá morrer?! (Disse a senhora borboleta entre lágrimas.)
- Fiz isso porque seu maior desejo era o de saber como seria a morte. E agora vou descrevê-la para você. (Disse com imensa dificuldade.)
- Pare! Você morrerá mais rápido assim! Jovens humanos andantes, nos ajudem! Ele está morrendo!
Eles não entenderam. Há tempos não praticavam a língua das borboletas, sabiam apenas voar. O senhor borboleta, agonizando, disse:
- Imagine... Que você está respirando, que você está vivo e que as árvores estão verdes. Imagine que você está feliz, que você tem a noite inteira e de repente, não mais que de repente, tudo some. Melhor! (disse quase não podendo dizer mais nada) Imagine-se em uma corda bamba. Esta corda é sua vida. Você tem onde pisar. Mas de repente, alguém lhe tira a corda e com isso você cai.
- Pare!
- Mas você queria saber como era...
- Não! Eu nunca quis! (Disse a senhora borboleta entre lágrimas.)
- Queria sim... Não importa o que você diga, eu sei que você queria. E agora seu desejo foi satisfeito. Fiz por e para você. Eu t...
Nisso os olhinhos do senhor borboleta começaram a se fechar. Havia , perto deles, uma árvore de rádios e todos os rádios começaram a tocar Elephant gun do Beirut.
A senhora borboleta tentou acordar seu companheiro, juntando as asas e o pedaço de seu corpo. Mas foi em vão. Ele havia partido
Havia partido por ela.
Inconformada, ela já não se importava se o seu desejo havia sido satisfeito. De que adiantaria isso se as outras borboletas não seriam capazes de compreendê-la? Percebendo isso, ela deitou-se no chão e a moça pisou em cima da senhora borboleta.
Ela partiu.
E eles continuavam a andar lado a lado, sob os efeitos de uma linda noite estrelada e pelo  simples prazer de andar lado a lado.






quinta-feira, 20 de maio de 2010

Internação


Ele entrara em surto
e o pai o levava de
carro para
a clínica
ali no Humaitá numa
tarde atravessada
de brisas e
falou
       (depois de meses
trancado no
fundo escuro de
sua alma)
      pai,
o vento no rosto
é sonho, sabia?

[Ferreira Gullar]

Adoro este cara!


terça-feira, 18 de maio de 2010

Corvos

       Estou observando-a.
       Ela parece perspicaz e astuta, porém parece triste. Não sei o que se passa com ela. Não consigo entendê-la... Eu que sempre fui tão feliz, entender o seu olhar é complexo de mais para mim. Ela tem um olhar vazio. Eu sinceramente não entendo o porquê dela estar assim, mas ela me intriga! Queria me materializar e perguntar sobre sua vida, mas sou uma criatura limitada de mais para isso.
       O simples fato de observá-la me intriga. O fato da sua existência, o fato de seu olhar vazio! Ah! como me aborrece! Queria abraçá-la e poder dizer que ficará tudo bem, mesmo sem saber o motivo dela estar triste, se é que ela está. Queria ter poder para arrancar-lhe um sorriso dos lábios, segurar sua mão... Ficar ao seu lado, mas não posso. Pelo simples fato de que ela não pode me ver. E devo confessar, que pelo medo que eu tenho de que ela me veja.
       O café dela já acabou, mas ela continua sentada escrevendo. Olhando para o lado, vez ou outra. A questão é: por que ela não levanta e não vai embora? Ela sorriu... Viu um idoso correndo. Não sei o que há de engraçado nisso. Sorriu novamente. Viu outro idoso, mas este estava com cachecol. Ah, por que ela riu? Não sei devo... Tudo bem, eu conto. Toda vez que ela vê um cachecol, tem vontade de estrangular a pessoa que o usa. Não para matá-la, só para apertar-lhe o pescoço mesmo. 
       Sei que ela sabe que eu a observo. É astuta de mais para não perceber. Ai, caramba! ela me viu...
       - Mas como eu poderia lhe ver se você não pode se materializar?
       - E como você sabe que eu disse isso?
       - Sou astuta e perspicaz, lembra?
       Estou confusa. Ou confuso. Nunca ninguém havia me percebido!
       - É... Mas eu percebi!
       Ai! Era eu quem a observava. Ou será que ela estava me observando todo este tempo?
       - Acho que as duas coisas. eu percebi que você estava me observando. Mas não quis interferir neste momento tão magistroso!
       - Engraçadinha você!
       - Ah, obrigada! Ou obrigado... Mas enfim! eu sei que sou.
       - Ah! E ainda por cima uma criatura convencida! Me observa por horas e vem de gracinhas para cima de mim?
       - Eu poderia pedir desculpas, mas ninguém mandou você ser estranha a ponto de me perceber.
       - Então é assim? em uma hora quer me consolar e agora me chama de estranha?
       - Bem... A propósito, por que você está assim?
       - Assim como?
       - Assim...
       - Não quero falar sobre o assunto...
       Eles, ou elas, permaneceram assim por um longo tempo. Discutiram suas observações mútuas.
       - E você quem é? - Disse a criatura que observava a moça.
       - Eu? - Disse o terceiro 'narrador'.
       - Sim você! Você não, vocês!
       - Nós? - Disseram o terceiro e o quarto narrador.
       - Espere! Eu sou a criatura que observa a moça. Não chamei ninguém aqui. Sumam todos vocês! Xô!, Xô! Seus corvos inúteis! Xô! Seus animais putrafatos, de almas imundas! Parem de gralhar aqui, se é que corvos gralham! Xô!, Xô! Vão embora antes que eu queime suas asas!
       - Eles já foram?
       - Já. Poderia fingir que não me vê, para que eu pudesse voltar a ser a criatura que lhe observa, e você voltar a ser a pessoa observada?
       - Mas por quê? Não quer mais falar comigo?
       - Não é isso... É que eu não quero que aqueles corvos voltem. Eles são tão... Tão... Tão!
       - Ah sim, entendo. Mas não seria melhor que você os espantasse em vez de ficar com medo e apenas me observando?
       - Acha que consigo?
       Eles não paravam de conversar, parecia que se gostavam. Até que...
       - Xô! Saia daqui!
       - Viu como consegue?
       A criatura não conseguia ver pois seus olhos...
      - Sumam! Seus corvos inúteis!
      - Está vendo?
      Eu, a caneta, tenho que parar por aqui. Embora tentada a continuar e dar um fim para isso, devo parar. Preciso que me guardem. Estou ficando fraca... Oh, não! Estou vendo um...