quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ciranda no abismo

  
     E como uma criança feliz ela caminhava à beira do precipício. Lá em baixo um mar um tanto agitado batia nas pedras. As ondas iam e vinham, como que dançando por entre elas Não era dia, nem era noite. Era tarde. Uma tarde dourada. Se ela apurasse o nariz, poderia sentir um certo cheiro da tarde. As gaivotas voavam perto dela, parecia que se entendiam.
     Ela, com os braços abertos, sem sapatos e com seu leve vestido negro, contornava a beira daquele abismo. Não se importava se poderia morrer com uma possível queda. "Sou imortal", pensara. "Além disso, tenho minhas asas negras, que posso usar quando eu quiser.".
     Ali, à beira do abismo, ela rodopiava feliz, apesar da tarde dourada. me atrevi ao lhar no fundo de seus olhos, notei que eles não acompanhavam a felicidade de seu corpo. Sua alma não acompanhava... Achei estranho que, sozinha, ela dançasse, pois além de não haver música, seus olhos não pediam dança.
     Por um instante ela parou, já um tanto cansada, colocando as mãos no rosto para afastar seus cabelos, que lhe encobriam os olhos naquele instante, depois de tanto dançar. Começou a andar devagar, para sentir cada pedrinha, por menor que fosse, em seus pés. Parou para sentir o vento no rosto. Parou para observar aquela triste tarde dourada. Parou para observar as ondas lá em baixo...
     Agora seus olhos faziam certo sentido com seu corpo. Este parado. Aqueles, hipnotizados pelas ondas batendo nas rochas. Seus dedos tocavam novamente seus cabelos para tirá-los do rosto, pois o vento era incessante. Por alguns instantes o hipnotismo do vai e vem das ondas foi quebrado e ela começou a contemplar o horizonte. Começou a contemplar a tarde dourada.
     Um filme começou a passar por sua cabeça. Se é longo ou curto, depende. O tempo corre de muitas maneiras diferentes. Ao contemplar aquele dourado e o filme em sua mente, começoua a tirar os brincos. Ao terminar isso, abriu os braços, com a ilusão de que possuia negras asas.
     Começou a contemplar novamente o vai e vem das ondas. Ela sorriu. Um sorriso triste, mas ainda assim um sorriso. Sorriu ao contemplar o filme em sua mente.
     Apenas sorriu.
     Aproximou-se um pouco mais da beira do precipício e olhou para cima para observar o céu. Olhou para o horizonte. Olhou para baixo, para as ondas, e permaneceu assim. Os relógios terrestres não são capazes de quantificar o tempo dela. Simplesmente olhou por tempo suficiente.
     Com seus pés descalços, um sorriso um tanto perturbado nos lábios, suas ilusórias asas e seus braços abertos, ela se jogou. "Sou imortal", pensara ela antes de se jogar. Estava enganada. No fundo ela sabia que não era imortal, mas tanto faz agora. 
     Ela se espatifara junto às pedras; um certo tom de vermelho misturava-se com a água, com as ondas. As asas imaginárias se foram junto com ela. Agora seus olhos faziam sentido com o seu corpo. Agora os dois estavam no mesmo ritmo.
     Em ritmo nenhum.



Um comentário:

  1. Caramba, essa minha Pequeninia tem uma imaginação gigante e brilhante. Muito bom o texto escritora :]

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