segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Labirinto de gelo

     Abriu a porta e desceu a escada, degrau por degrau. Não tinha pressa, nem tampouco calma. Ao terminar de descer a escada ela olhou para trás, mas seguiu atravessando a porta que estava a sua frente; depois desta porta, outra escada de madeira um tanto podre, mas muito extensa. No final da escada, outra porta. Ela terminou de descer a escada e passou pela porta adentrando num corredor escuro e úmido, e no final deste, mais uma porta. Atrás desta, não havia mais escadas, mas quando abriu encontrou um labirinto escuro feito de gelo e sem se importar ela entrou no labirinto gélido e escuro.
     Começou a andar, não conseguia enxergar para onde estava indo e quanto mais entrava no labirinto, mais escuro o caminho ficava. No início, foi seguindo tateando as paredes, mas quanto mais adentrava, mais gelado ficava, e agora ela não podia mais tatear paredes, seus dedos estavam congelando. Ouviu um som de caixa de música e tentou inutilmente seguir este som.
     Ela estava sentindo muito frio, mas continuou seguindo. Ela estava quase congelando, mas continuou seguindo. Quase não podia mais andar, suas pernas, seus corpo! Ela estava trêmula, estava quase, quase congelando. Não conseguia mais seguir, não conseguia mais andar; recostou-se numa parede de gelo e foi caindo lentamente no chão. Mas antes que caísse, sentiu mãos quentes tocando as suas mãos, e alguém a pegou no colo e a levou até o fim do labirinto. 
     Quando chegou ao fim, quem a levara até ali virara pó e ela olhou para frente e viu apenas neve, muita neve. Os raios de sol, que deixavam o verde das árvores cobertas de neve mais verde, foram aos poucos aquecendo seus ossos, até que ela conseguiu andar novamente.
     Com dificuldade, ela andou um pouco na neve, olhou pro sol, deu um sorriso um tanto triste e começou a cavar.
     Cavou, cavou, cavou.
   Quando achou que estava bom, deitou-se dentro do buraco que cavara e aos poucos foi cobrindo seu vestido vermelho com neve. Cobriu seus pés, suas pernas, cobriu-se por inteira. Sentiu cada dedo de seu pé, cada milímetro do seu corpo congelar; seus olhos reparavam nas árvores verdes cobertas de neve, na imensidão de neve que a rodeava, em borboletas que voavam por ali. Ela ouviu um som de caixa de música bem longe, ao fundo, ouviu este som aproximando-se. Mas talvez fosse apenas um devaneio de sua mente.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O bar do Fim

     Já estava de madrugada, e ela ainda estava sentada na mesa do bar. Era um lugar de madeira, mesas redondas, um piano, escada de madeira podre, bebidas na parede, homens de chapéu com olhos vazios. O cheiro de madeira velha pairava no ar, misturado ao cheiro da fumaça dos cigarros que os homens de chapéu haviam fumado a noite toda, misturado com o cheiro de bebida. Atrás do balcão havia um homem de chapéu, flanela encardida nas mãos, bigode.
     Embora ninguém ousasse fazer um único brinde sequer naquele lugar maldito, todos naquele bar bebiam para brindar o nada, para brindar o fim! 
     Ainda havia luz do dia quando ela chegou ali, chegou e já pediu uma bebida; os homens de chapéu a olhavam, em suas mentes perguntavam-se: "Que diabos ela faz aqui? Será que não sabe que aqui é o bar do fim? Quem sai por aquela porta nunca mais retorna". O cara atrás do balcão, após algumas horas perguntou a ela o que ela fazia ali, perguntou se ela sabia onde estava, se ela sabia onde havia entrado. Ela respondeu com um aceno de cabeça, como se dissesse que sabia onde estava. O homem da flanela encardida não fez mais perguntas, apenas serviu bebida.
     Todos no bar a observavam, não entendiam o porquê dela estar ali, exceto o homem atrás do balcão. Após algum tempo, foi o único a olhar nos olhos dela, foi o único a ler seus pensamentos perturbados. 
     Ela estava sentada numa das mesas redondas, perto do piano, com a cabeça baixa olhar vazio. Já estava tarde, o homem da flanela já havia acompanhado todos os homens de chapéu até a porta de saída, até a porta do fim... Faltava apenas ela. Parecia que ela não queria ir. Parecia... O homem queria fechar as portas do bar do fim, mas para isso era preciso que ela saísse.
     - Você não vai sair?
     - Tenho mesmo?
     - Agora tem. Você bebeu, brindou o nada e o fim e agora é hora de sair.
     - Vai doer? 
    - Não sei. O que sei é que se você sair, isso acaba. Isso que está na sua cabeça, seus pensamentos, sua agonia, tudo isso acaba.
    - Pode me acompanhar? Quero que você seja a última coisa que verei. A última coisa antes de passar pela porta.
    - Tudo bem. Vamos...
     O Homem de chapéu pegou sua flanela encardida e a levou pelas mãos até a porta. Ela olhou para o rosto do homem, deu um sorriso de alívio e passou pela porta do bar do fim. Ele virou as costas, fechou o bar, pois já era tarde, e foi dormir. Sabia que nenhum daqueles clientes voltariam, pois quem sair por aquela porta chegará ao fim.
     Chegará ao alívio do fim.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Matei um homem hoje

     Matei um homem hoje.
     Não que ele tivesse feito algo para mim, eu simplesmente o matei.
     Era noite e resolvi andar na rua, para ver se elas paravam de falar em minha mente. Estava frio e ventando, meus ossos estavam congelando. As árvores balançavam, enxerguei ao longo da rua de asfalto um homem vindo em minha direção, mas não senti medo nem tampouco vontade de sair correndo. Ele tinha estatura média, óculos, usava chapéu e um sobretudo preto. Notei que estávamos nos aproximando, indo ao encontro um do outro. Embaixo de uma árvore seca, nos encontramos.
     - Moça por que anda sozinha na rua a estas horas?
     - Pelo mesmo motivo que você. Senti que minha cabeça iria explodir e decidi andar no frio.
     - Para sentir-se viva?
     - Também. Para me sentir viva, para me sentir morta. Queria apenas sentir alguma coisa. Fazer elas calarem a maldita boca!
     - Elas também não param de falar em minha mente. Enfiaria uma bala no meio dos meus miolos só para elas calarem a maldita boca!
Senti vontade de matá-lo. Senti vontade de vê-lo agonizar, ver seus olhos saltarem pela sua cara, ver o sangue escorrer pela sua boca, ver seu desespero.
     - E por que não os estoura? Já pensei em fazer isso inúmeras vezes, não sei porque nunca o fiz.
     - Falta de coragem. É por isso que você não estoura, é por isso que eu não enfio uma bala no meu crânio.
     Ao ouvir isso, peguei uma mangueira de borracha, daquelas que amarram em nosso braço quando nos tiram sangue; sempre levo uma dessas comigo. Mania talvez. Peguei a mangueira, passei em volta do seu pescoço e apertei. Apertei com força suficiente para que seu pescoço não quebrasse, mas para que apenas ficasse sem ar. Queria vê-lo agonizar.
     A agonia estava estampada e seus olhos; seu rosto começou a mudar de tonalidade, tentou puxar ar para respirar, bateu com as mãos no chão, puxou seus cabelos até quase arrancar-lhes da cabeça. Eu estava observando, estava atenta a cada detalhe! O modo como seu rosto mudava de cor, o modo como seus olhos saltavam, o modo como arranhava sua própria pele deixando sangue embaixo das unhas! Era como se eu pudesse sentir aquela agonia misturada com um toque de alívio.
     Morreu. Parou de se debater, estava mole e esticado no chão. Peguei delicadamente seu corpo e pendurei em uma árvore que estava ali. Continuei seguindo por aquela rua fria até que encostei-me em outra árvore seca e fiquei observando tudo.
     Matei um homem hoje.
     Hoje eu me matei.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Lista de coisas para fazer antes de morrer

Bem, tenho algumas coisas a dizer sobre esta lista:
- Tudo que for escrito nela será feito. Só não será feito se eu tiver um motivo muito bom que me faça mudar de ideia.
- Os itens em vermelho já foram feitos.
- Na maioria das coisas já feitas, senão todas, eu não estava sozinha e talvez a pessoa, naquele momento, nem soubesse que aquele momento era, de fato, importante e estava entrando para a minha lista. E talvez não saiba até hoje. HAHA
- O que eu escrevo nela, fica nela. Mesmo que eu tenha um bom motivo para mudar de ideia, o que for escrito fica escrito


A Lista


1- Medir o Parthenon
2- Beijar na chuva - OK
3- Visitar o museu do Louvre
4- Comer Sushi
5- Pular de para-quedas
6- Pular de Bung-Jump
7- Dizer "Eu te amo" - OK
8- Subir uma escada rolante ao contrário - OK
9-  Pular de algum lugar um pouco alto com um guarda-chuva aberto
10- Visitar o Hawaii
11- Jogar uma bateria no fogo
12- Pedir para entregar 12 pizzas no endereço errado
13- Ligar para os bombeiros e falar que há um bomba no Politécnico
14- Aprender a nadar
15- Subir em um coqueiro para catar coquinhos
16- Ligar para alguém e falar: "Eu estou ligando para dizer que eu nunca mais vou te ligar." - OK
17- Escrever um livro
18- Pegar um táxi e falar: "Siga aquele carro!". Depois falar: "Pare! Pare!", jogar 50,00 no banco do táxi, falar para ele ficar com o troco e sair correndo
19- Ver o por do Sol com alguém especial - OK
20- Dançar com alguém, com se fosse valsa, "Theme from a Summer place 1960", Percy Faith - OK
21- Eliminar todos os meus toc's
22- Entrar para a história
23- Viajar sem destino
24- Morar em uma praia fria
25- Correr pelos tapetes verdes
26- Pintar as unhas de vermelho - OK
27- Terminar física
28- Matar um pessoa
29- Fazer matemática
30- Andar, na XV, como o carinha do The verve no clipe Bitter Sweet Symphony - OK
31- Subir até o último andar do Prédio Histórico (UFPR) pelas escadas externas - OK
32- Ter uma casa na árvore
33- Tomar banho de chafariz
34- Assistir "P.S. Eu te amo" - OK
35- Tomar banho de chapéu
36- Pular de um precipício, aos 54 anos, para voar pela primeira e última vez
37- Colocar fogo em uma guitarra
38- Aprender a tocar bateria
39- Salvar uma vida
40- Colocar para tocar no celular, no último volume, Dancing Queen (ABBA) quando um vileiro colocar música alta no ônibus - OK
41- Pular de um trampolim
42- Lustrar uma careca
43Pular em uma piscina de gelatina
44- Dançar Thriller na XV
45- Comprar um balde
46- Pegar um Inter II, quando ele estiver parado em algum terminal e o motorista estiver fora dele, e sair correndo dirigindo-o até o próximo tubo
47- Cortar grama às 3h da madrugada





domingo, 5 de dezembro de 2010

E aos poucos ela foi morrendo...

   
      E aos poucos ela foi morrendo...
     Um pouco a cada dia, para não ficar muito visível. Foi deixando isso e aquilo de lado; foi parando com as risadas, com os sorrisos, com o cheiro da tarde, com as manias. Foi parando com tudo. Bem devagar.
     E aos poucos ela foi morrendo...
    Foi sumindo um pouco a cada dia, foi se importando um pouco menos a cada dia, foi se perdendo um pouco a cada dia, até, quase, sumir por completo. Agora isso era como um vício: queria ir com isso até o fim, teria que ir com isso até o fim. Teria que sumir de vez. Mas bem devagar, para que ninguém notasse.
     E aos poucos ela foi morrendo...
    Os corvos foram levando o que ainda restava dela, de forma bem discreta e lenta. Foram pegando pedaços que não fizessem muita falta e a cada pedaço retirado, um sorriso vazio.
     E aos poucos ela foi morrendo...
     Suas vontades foram diminuindo, sua cabeça foi ficando mais pesada e seu corpo começava a entrar em sintonia com a sua alma, ou seja, começava a ficar morto.
     E aos poucos ela foi morrendo...




quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Perdi-me de mim




É como se, de repente, eu virasse todos os personagens sobre os quais já escrevi.
 Estou sentindo uma falta horrenda de mim mesma.
É como se eu tivesse me perdido de mim.




Music: http://www.youtube.com/watch?v=Yi0CqIeLjkQ&feature=related


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Awake


     Acordou.
     Seu relógio marcava 05:31 e ela procurava seu celular para desligá-lo, pois a sua 'música-despertador' (Never Young - Gogol Bordelo) ainda tocava. Levantou, acendeu a luz, pegou sua roupa e foi tomar banho. Voltou ao quarto, vestiu-se, arrumou o cabelo, comeu alguma coisa, lavou os óculos e saiu. Ao abrir o portão, notou que havia algo errado: as ruas haviam sumido, as casas haviam sumido.
     Assustada, voltou para dentro de casa. Seus pais não estavam mais lá, haviam sumido também. Não sabendo o que fazer, abriu o portão, novamente, e saiu em meio ao nada. Nada de casas, ruas, árvores, cachorros, carros. Apenas sua casa e uma imensidão branca.
     Aquela imensidão estava começando a sufocá-la, como se estivesse dentro de uma caixa apertada, porém, estava num lugar imenso. Imenso e branco.
     - Socorro!, gritava. Mas não adiantava, não havia ninguém para ouví-la.
     O desespero começou a dominá-la; seus gritos não eram ouvidos e sua voz estava ficando cada vez mais fraca. Enfraquecendo... Enfraquecendo... Até sumir por completo. 
     Seu lábio superior começou a se unir com o inferior. Boca já não tinha, a que tinha fora coberta por pele. Tentou abrir a sua boca com as mãos e num estado de desespero, começou a correr em meio àquela imensidão branca; correu tanto, tanto, que sua casa ficou para trás. Parou e tentou rasgar a pele que cobria aquilo que um dia fora boca, com as unhas, mas não obteve resultados. Sua agonia era insuportável agora. 
     Cansada, tentou sentar. Mas seus joelhos não dobravam, estavam rígidos. Tentou cair, para ficar deitada, mas não conseguia cair. Tentou chorar de desespero, mas suas lágrimas não saiam. A imensidão era totalmente branca, se andasse seria como se estivesse no mesmo lugar. Suas pernas doiam de tanto de ficar em pé, doiam mais que o normal. Sua respiração estava ficando cada vez mais rara, mas não conseguia impedir este fato e nem ao menos podia abrir a boca para tentar puxar mais ar, pois ela já não tinha boca.
     Sua respiração parou. Ela tentou puxar o ar pelas narinas, mas não havia como respirar. O vento soprava em seu rosto, mas respiração não tinha mais; quanto mais tentava puxar o ar, mais seu pulmões doiam pela falta dele. 
     Quase uma hora se passou, e ela não morria. Apenas 'desfrutava' da agonia interminável a que estava sujeita: sozinha em uma imensidão branca, porém pequena como uma caixa; com pele no lugar da boca, sem poder sentar ou deitar e sem ar. Morrer ela não morreria, mas ficaria agonizando eternamente.
     E eu apenas assistindo lá do alto...